O Presidente, o Manobra e a Ambulância - parte 3 de 3 (ou A Ministra, eu e a Coxinha de Galinha)
- luís menna barreto
- 12 de mar.
- 6 min de leitura

Desde o evento da visita do Presidente do Tribunal de Justiça quase um ano antes, o Manobra passou a se achar meu “íntimo”!
Todo os dias a caminho do Fórum, bem cedinho, eu acabava passando pelo Manobra que já estava com um copo de cerveja na mão seja no bar do Seu Nonô ou no açougue do Retalho, e ele não fazia cerimônia: erguia o copo e falava alto, para os outros verem como era “intimo" do juiz:
— Quer carona doutor? — Mesmo com o Fórum a menos de cinquenta metros de distância!
Eu sempre o cumprimentava, falando alguma coisa, porque, afinal, fora ele quem resolvera o problema do transporte do Presidente do Tribunal, desde a pista (clandestina) até o Fórum:
— Fala Manobra! Teve transporte pro navio essa noite?
— Teve um, doutor, mas o motor demorou a pegar e levaram na maca! Mas a ambulância já tá zerada, pronta pro presidente!
E era assim quase todo o dia, cada vez com uma história diferente:
— Teve transporte essa noite, Manobra?
— Teve um, mas eu deixei a chave no banheiro e, quando fui pegar, levaram na maca!
E o Manobra seguia com o emprego de motorista da ambulância, destinada ao trajeto de duzentos metros entre o hospital e o trapiche municipal, onde encostava navio duas vezes por noite:
— ... teve um, mas eu estava no banheiro, e quando cheguei já tinham levado na maca!.
E a vida seguia!
Quando cheguei, naquele dia, encontrei em cima da mesa o convite: inauguração do novo prédio do Tribunal de Justiça!
Era quase final do mandato de 2 anos do Presidente. Ele foi uma espécie de “Juscelino Kubitscheck” do Poder Judiciário. Fez um salto de vinte anos em dois, na estrutura do Poder Judiciário Paraense! De forma francamente inacreditável, todo o Estado estava se comunicando pela internet, mesmo em comarcas como Novo Progresso, Faro ou Jacareacanga! E quem não sabe o que eu estou falando, tente ver num mapa e vai entender!
Pois uma das promessas do Presidente, antes de assumir, foi inaugurar um novo prédio para o Tribunal de Justiça! E eis que em dois anos, projeto e execução tornou-se realidade. Agora… imagina a festa!
Pois lá estava o convite!
E eu iria perder esse boca-livre?! Nem pensar! Arrumei tudo, e naquela noite mesmo, embarquei no navio que passava por volta de 22 horas em Curralinho! Atei minha rede e o navio nem bem tinha saído e eu já dormia, sentindo o embalo bom da rede e o vento da noite amazônica fazendo a maré ficar com pequenas cristas onde a lua deitava sua luz, colorindo de prateado as águas do rio sem fim!
Acordei com o navio saindo da última curva e descortinando a exuberância da cidade de Belém, vista lá do outro lado, entre a indecisão do breve encontro dos primeiros raios do sol com o os últimos do luar…
À noite, muito a contra gosto, vesti o paletó e escolhi a melhor gravata! Pensei: quero chegar pelo menos meia hora antes, para tentar um bom lugar! Viriam todos os presidentes de tribunais do país, e a própria Ministra Presidente do Supremo Tribunal Federal estaria presente! A primeira ministra mulher do Supremo e a primeira Presidente mulher do Supremo!
Cheguei meia hora mais cedo como o planejado… …. só que acho que todo mundo havia chegado uma hora mais cedo! Quase não consigo entrar nas salas secundarias, onde estavam espalhados telões, quanto mais no salão do Pleno, onde a cerimônia aconteceria!
Depois, seria festa! Nunca havia visto tanto garçom num único evento!
Cumprimentei vários colegas e o assunto era um só: a elegância da Ministra! Não tinha uma rodinha de gente que não estivesse falando nisso. E todo mundo queria tentar chegar perto. Mas vou dizer: impossível! Havia uma blindagem de seguranças, além do fato de que no salão onde estavam, o acesso era bem mais restrito! Imagina uma fotografia com a Ministra, então? Barbaridade (ou: égua!!!!, como dizem aqui!), seria um troféu! Teve colega meu que se juntou com outro e fez o plano:
“Óh, fica com meu telefone. Vou tentar dar a volta e tu tentas chegar perto. Quando tiver num ângulo que eu apareça lá atrás da Ministra, tu fazes um sinal, eu dou um sorriso e tu fazes a foto”.
A conhecida foto “papagaio de pirata”! Mas só isso já era um troféu!
Eu não tinha essa pretensão toda. Estava era contente com a qualidade dos salgadinhos e os sucos regionais servidos! Fiquei mais ao fundo do maior salão e queria mais era passar despercebido, porque estava mesmo matando a fome.
Quando estava com uma deliciosa coxinha na mão, ouvi o barulho característico de tumulto! Como todos, espichei o pescoço, fiquei na ponta dos pés e tentei ver o que era. Pois parecia uma onda de pessoas vestindo terno preto, vindo da porta para o fundo! Mais ou menos na direção em que eu estava.
Testa enrugada: "O que é isso?", pensei. Olhei para trás e não havia nada ali. Tá, havia um quadro perto da janela e um vaso marajoara muito bonito, mas nada que merecesse uma especial visita! E a onda continuava a mover-se.
Testa mais enrugada! Comecei a fazer o plano: vou ir mais para o fundo, perto da janela. E muita gente foi recuando, enquanto a onda de ternos pretos chegava mais perto!
Testa enrugada e olho arregalado! Deu para ver o que era: os seguranças da Ministra abrindo caminho! Num local apertado, podem presumir que não era a maior delicadeza do mundo a forma como pediam licença, né?!
Fui mais para trás… mais para trás…. e a onda vindo… vindo….!
Pronto! Encostei a bunda na parede! A janela estava uns três metros para o lado. Eu já pensava em como faria para passar pelas pessoas entre eu e a janela, para poder jogar-me por ela em caso de emergência!
Testa enrugada, olho arregalado e paralisei. A boca aberta, mas sem o salgadinho que ainda estava na minha mão e eu o protegia como quem tem um objeto valioso a proteger (estava bom MESMO!).
Quase pânico! “Calma, calma…. eles não vão atravessar a parede", pensei!
Dali a pouco, vi o branco dos olhos dos primeiros seguranças! Fiquei o mais firme que podia, protegi como pude a coxinha na minha mão e esperei o empurrão!
Não veio!
De repente, como em cone, a onda se abriu e, lá do meio, protegidos, vi surgir o Presidente do Tribunal de Justiça do Pará, conduzindo o Presidente do Tribunal do Rio Grande do Sul e a Ministra!
Bateu aquele momento:
“Ããããnnnhhhhhhh…..”
Pararam na minha frente! Não sei quanto tempo durou isso, porque eu tava congelado!
O Presidente do Tribunal de Justiça do Pará virou para a Ministra e para o Presidente do Tribunal do Rio Grande do Sul e disse, apontando para mim, com um ar divertido:
— Aqui está! Esse gaúcho que eu falei que me fez andar de ambulância no Marajó!
“Ããããnnnnhhh”…. (esse era só meu pensamento estacionado no limbo entre o engasgar e as frases das quais falamos e sentimos vergonha depois. Mas, graças a Deus, não saiu nenhum som na hora!).
Num gesto automático, foi o melhor que pude, estendi a mão! Com algum atraso, veio a única frase que meu cérebro conseguiu organizar na hora:
— Desculpe-me, Senhora Ministra. Não sei o que dizer, porque nunca falei com um ministro na minha vida!
… e continuei com a mão estendida!
Ela sorriu, com uma elegância genuína, e falou:
— Ah, me dê um abraço!
Pude ouvir aquele "óóóóhhhh" silencioso no íntimo de cada um que estava perto! Ganhei um abraço da Ministra! Que me perdoem os Presidentes…. mas ganhei um abraço da Ministra!
Confesso que não posso descrever como isso acabou, nem se houve mais alguma conversa… porque meu cérebro não conseguiu processar muita coisa daquele evento, mas,, tão rápido como chegaram, cercaram novamente a Ministra e a onda de paletós pretos sumiu na multidão. Quando percebi, o salgadinho estava na minha mão, eu ainda estava com a boca aberta e um colega muito espirituoso veio falar comigo, o Dr. Miguel:
— Fala gaúcho! — Ele e alguns outros colegas, chamam-me assim, em nossa intimidade de colegas que jogam futebol.
— Caramba! Tu viste, Miguel?! Ela me abraçou!
— Sim, tu querias que ela fizesse o quê, gaúcho?
Olhei para ele sem acreditar no comentário!
— Ora, achei que ela simplesmente apertaria minha mão!
— Tá doido, Gaúcho? E tu achas que ela iria ficar com a mão toda engordurada esmagando essa coxinha que tu não largaste nem pra falar com ela?
…
Pois é: a coxinha! No final, acabei comendo a coxinha que teve gosto de abraço de Ministra!
Luís Menna Barreto, em 10 de maio de 2016
As Partes 1 e 2 desta crônica, já estão publicadas no blog do nosso site! É só rolar mais um pouco e clicar. Abaixo de cada postagem, colocamos mais algumas crônicas sugeridas para você.
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Não se pode desperdiçar uma boa coxinha!!