O Presidente, o Manobra e a Ambulância - Parte 2
- luís menna barreto
- 9 de mar.
- 6 min de leitura
Atualizado: 17 de mar.

A ambulância sacolejava!
Um pouco por conta do caminho esburacado, outro pouco por conta da falta de habilidade do Manobra. Eu estava preocupado em como o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará chegaria no Fórum, depois de tanto pular na ambulância.
Não, o Presidente não estava doente nem acidentado. Estava sentado ao lado do Manobra, que conduzia a ambulância, no caminho da pista (não regularizada) de pouso até o fórum! Estava indo de ambulância, porque era uma das três únicas possibilidades de transporte terrestre motorizado em Curralinho, no Marajó, naquele tempo. Ou eu buscava o Presidente do Tribunal de Justiça de ambulância, ou buscava com o caminhão do lixo, ou ele viria na garupa de um "mototáxi" sem habilitação, sem capacete, em uma motocicleta sem placa!
Optei pela ambulância!
Acomodei o pessoal da seguinte maneira: ao lado do Manobra, na única poltrona existente no veículo além da poltrona do motorista, o Presidente, claro. Na parte de trás, os demais: eu, o padre (sim, veio um padre junto!), mais um desembargador e dois assessores. O desembargador e o padre sentados na maca, eu e os assessores em pé tentando segurar na parede. Na parte de trás da ambulância não havia nada além da maca. Há quem diga que quando o município recebeu a ambulância, esta era, na verdade, uma UTI móvel, cheia de aparelhos. Daí que o prefeito não teve duvidas: os aparelhos que vieram com a ambulância, faltavam no hospital. “Depena a ambulância”, teria dito. E os aparelhos foram para o hospital.
Não, não precisa ninguém ficar preocupado ou indignado. Quem conhece Curralinho (e conhecia em 2005), sabe que a decisão foi a acertada! Além da estrada que leva para a pista, não há mais que três ou quatro ruas paralelas ao rio e algumas transversais. Depois, é só ponte (de madeira, na largura de três tábuas), por sobre o rio numa espécie de "Veneza Marajoara", em direção ao “Bairro do Cafezal”. Resumindo: aquela era a primeira vez que a ambulância andava mais que os duzentos metros que separam o hospital do trapiche municipal!
Quando chegamos no fórum, depois de muito sacolejar, discretamente perguntei ao Manobra:
— Pelo amor de Deus, Manobra! Onde tu tiraste tua carteira de motorista?
— Ah, doutor! Tenho não!
— Hein?
— Aqui não tem carro, ninguém sabe dirigir! Fiquei sabendo que a ambulância tava parada dois meses desde que tinha chegado, fui lá e disse que eu sabia. Agora, sou contratado da prefeitura, doutor. — E chegou mais perto pra falar baixinho: — Mas não tem nada assinado, porque sou cadastrado na colônia de pescadores e recebo o seguro defeso!
— E como tu conseguiste virar motorista, sem nem ter habilitação, Manobra? Ninguém pediu a habilitação?
— Pediu nada, doutor. Eu sou irmão da Terceira Dama.
— Hein? — Bem, essa história sobre a primeira, segunda e terceira damas, eu conto outro dia! Na hora, apenas arregalei os olhos torcendo para o Presidente não ter escutado aquela conversa! Não escutou. Ou achou melhor não escutar!
Entrando no fórum, o Presidente até achou bonito. É uma construção muito antiga e alta! Entrou no gabinete onde faço as audiências e onde despacho os processos (uma peça única, bem ampla, com uma mesa grande e várias cadeiras em volta) e perguntou:
— O que é isso?
Apontou para a máquina de escrever! Não que ele não soubesse o que era uma máquina de escrever, mas é que a campanha dele para presidência fora sustentada no avanço tecnológico e na promessa de interligar todas as comarcas do Estado do Pará.
— A máquina em que trabalho! Fazemos audiências e despachos nesta máquina, Senhor Presidente!
A elegância que o cargo impõe fez com que o Presidente mantivesse o mesmo tom:
— Onde está o telefone?
Esse eu tinha! Com fio, ainda, fixo, lembram? Pois é, era assim. Tinha um disco no meio em que a gente colocava o dedo no furo correspondente ao número e rodava o disco até uma trava de metal. Um numero com oito dígitos tinha que rodar oito vezes o disco.
Ele o fez com alguma ansiedade. Não sei com quem falou, mas era alguém que certamente estava de prontidão para um eventual telefonema:
— Anote aí: Em um mês quero a internet instalada em Curralinho…
Eu me espantei. Mas sorri!
— … quero duas motocicletas para os oficiais de justiça…
Barbaridade! Fiquei mais faceiro que pinto no lixo!
— … e uma caminhonete L 200!
Opa! Isso não! Uma caminhonete não, pelo amor de Deus! Não que fosse muito prudente, mas interrompi o presidente:
— Não, Sr. Presidente. Não faça isso!, — exclamei.
Ele segurou o telefone perto do peito, sem desligar e me interrogou com o olhar.
— Não tenho onde guardar. Não tenho onde dirigir. Não tenho nem quem dirigir! — E lembrei do Manobra, que dirigia ambulância sem habilitação. Deus me livre!
— Muito mais necessário seria uma lancha, Senhor Presidente.
Ele me olhou um segundo e tomou a decisão:
— Tira a L 200, coloca uma lancha!
Simples assim.
Daí para diante, a visita foi tranquila. Ele foi até o salão do júri, completamente vazio, com visível pó nas pás dos ventiladores de teto, sem nem ao menos uma cadeira no local.
— Por que está vazio assim?
— Quando cheguei aqui, oito meses atrás, já estava vazio, Presidente.
— E onde tu fazes os júris?
— Não faço. Ninguém mata ninguém. Nem mesmo tentam matar por aqui! Quero inaugurar o salão, mas não tenho freguesia.
O presidente deixou escapar um quase sorriso.
Depois disso foi embora com a comitiva. A ambulância estava na frente do fórum, mas onde estava o Manobra?
— Onde está o motorista? — Perguntou o presidente, que não estava acostumado a esperar.
— Um momento, Presidente. Vou chamá-lo.
Saí nervoso. Pelo amor de Deus, onde estava o Manobra? Foi com certo medo que fui até o açougue. Estava fechado. O Retalho ficou com medo de abrir o açougue, já que era quem detinha o jogo de bicho na cidade (dizem!).
Fui correndo até o bar do Seu Nonô. Pois o Manobra estava lá! Com um copo de cerveja na mão!
— Manobra! Tu estás louco?! Bebendo? O homem está lá, impaciente para ir embora, e tu bebendo, Manobra?!
— Ah, doutor. Fiquei nervoso com o Presidente do meu lado. Precisava tomar umazinha pra parar de tremer!
Com cara de poucos amigos, levei o Manobra.
Todos na ambulância, e a viagem até a pista pareceu outra! O Manobra desviou de praticamente todos os buracos! Uma viagem muito tranqüila!
Para a decolagem não houve problemas.
…
O pessoal da instalação da internet veio mesmo. Ficaram dois dias em Curralinho, instalaram uma antena parabólica enorme no pátio ao lado do fórum (que não sei a quem pertence, mas nunca ninguém reclamou), fizeram todos os testes e foram embora.
Um mês depois, recebi a ligação:
— Um momento, o Presidente vai falar.
(espera, espera, espera….)
— Por que eu não estou vendo nenhum relatório de Curralinho no sistema?
— Não coloquei ainda, senhor Presidente! — Respondi com honestidade.
Ele pareceu ficar irritado:
— Mas não mandei colocar internet?
— Mandou, Sr. Presidente!
— O pessoal não foi instalar aí a internet, não levaram antena e equipamento?
— Vieram!
— E não tá funcionando a internet?
— Pelo que sei está, Senhor Presidente, eles fizeram todos os testes e deixaram tudo funcionando.
— E por que tu não estás enviando os relatórios?
— Porque, Senhor Presidente, o fio que deixaram instalado aqui no fórum, não conecta na máquina de escrever!
...
Isso mesmo: veio tudo... mas não veio computador!
Luís Menna Barreto, em 8 de novembro de 2016
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Só imagino a expressão do presidente!! Só por curiosidade, mandaram um computador??