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O Presidente, o Manobra e a Ambulância - parte 1

Atualizado: 12 de mar.


O Presidente, o Manobra e a Ambulância
O Presidente, o Manobra e a Ambulância

Começou com o telefonema:

“… então, Dr., o senhor providencia o carro da comarca para buscar o Presidente no aeroporto?!”

Hein?

“O carro da comarca, Dr.! O presidente deve chegar aí em Curralinho por volta de 9 horas.”

Hein?

O servidor do cerimonial do Tribunal de Justiça pensou que estava ruim a ligação. Estava, claro! Mas eu entendia as palavras. Apenas ainda não sabia dizer de um jeito bom, o que eu deveria dizer. Então falei do jeito que consegui:

Não tem carro, aqui.

“Bem, então o senhor alugue um carro bom por aí, quem sabe um taxi um pouco maior…”

Não, o senhor não está entendendo: não tem carro na cidade!

“……..” Silêncio do outro lado da linha. Eu estava achando divertido, mas ajudei o homem que certamente não estava acostumado com a realidade do Marajó:

“……” Silêncio. Então continuei:

Primeiro: não tem “aeroporto”. O que tem é uma pista de piçarra, pequena, que desce só monomotor! Fica lá na estrada, uns cinco quilômetros da sede da cidade.

“ok, Dr., o senhor avise lá na pista…"

Clandestina! Interrompi logo, para deixar tudo claro.

Daí para diante, foi um festival de gaguejadas do homem.

Em 2005, o Presidente do Tribunal de Justiça havia assumido com a promessa de que interligaria todas as comarcas do Estado pela internet e que visitaria todas as comarcas. E estava cumprindo!

O homem do cerimonial tentou continuar:

“Dr., (engasga, engole, pigarreia), o senhor providencia, então, o carro?”

Ele não desistia, pensei!

Seguinte: ou o Presidente vem da pista em um mototáxi que vai estar sem habilitação, sem capacete, usando chinelo de dedos, em uma motocicleta sem placa; ou curte uma de “bóia-fria” e vem na caçamba do caminhão do lixo; ou dá uma de doente e vem de ambulância!

…………….. (silêncio… hesitação): "… bem… veja aí como for melhor, Dr.!" E desligou!

Olhei o calendário. Seria no sábado. Sábado?! Mais essa: minha rotina era chegar na cidade na segunda e sair da cidade na sexta à noite, sempre de navio. O navio vem da cidade de Breves, de onde sai às 18 horas, passa em Curralinho por volta das 22 horas e, depois, chega em Belém por volta de 6h da manhã. Nessa rotina, eu levava minhas roupas contadas para usar em Curralinho! E paletó, meu Deus? Eu só tinha um, em Curralinho, porque nunca fui muito dado a fazer audiências de paletó, e foi justamente naquela semana que eu havia derramado café na calça do paletó. Cheguei a pensar em receber o presidente sentado na minha mesa o tempo todo, usando outra calça e a parte de cima do paletó… … tá bem!, óbvio que não daria certo!

Receberia o Presidente de calça jeans e camisa polo, mesmo!

Quanto ao transporte, decidi pela ambulância. Fui no hospital falar com a administradora. Expliquei a situação e ela não teve dúvida! Fez o que se espera: não resolveu!

Ah, doutor, tenho que falar com o Secretário de Saúde…

Vi o rumo que a conversa tomaria, com muita desculpa e nada resolvido, e levantei-me:

Obrigado. Pode deixar que eu falo com ele.

Fui na Secretaria de Saúde e não o encontrei.

Não chegou ainda, doutor…, disse-me a Nevinha, que atendia ali com cara de sono.

Fui na casa do Seretário e não estava. Voltando para o Fórum, passei no bar do Seu Nonô… O Secretário estava lá! Expliquei a situação e então... sim, não deu em nada:

Ah, doutor, tenho que falar com o Prefeito…

Obrigado, deixa que eu falo com ele.

Mas, desta vez, em vez de ficar andando pela cidade, perguntei para quem sabia da vida de todo mundo:

Onde encontro o prefeito, seu Nonô?”

Doutor, se o Prefeito não estiver no açougue essa hora, o senhor encontra em casa ou então, não está mais na cidade.

O açougue era um local onde havia as carnes penduradas em ganchos, sem nenhuma acomodação refrigerada, uma mesa de bilhar e ponto de reunião de várias pessoas, onde o açougueiro era também o dono do jogo do bicho (dizem!) e pagava os prêmios em carne. Ah, claro, vendia uma ou outra cachaça e cervejinha…

Fala, Retalho (o apelido do açougueiro), sabes do prefeito?

Quinta-feira, doutor… já tá pra em Belém.

Poxa… tô precisando da ambulância para buscar o presidente do Tribunal de Justiça na pista…

Ai, meu Deus! O homem tá aqui? Acha melhor eu fechar doutor? Porque jogo não pode né?

Calma Retalho… vai vir no sábado. Tô tentando a ambulância para busca-lo na pista, mas preciso falar com o Prefeito para liberar a ambulância…

— Êh, doutor, deixa comigo! Que horas o senhor precisa?

Hein? Olhei para trás e um rapaz franzino, com um copo de cerveja na mão, (às 10h da manhã!!) levantou-se e veio na minha direção.

É só marcar o horário e eu tô lá, doutor. Estendeu a mão molhada do copo suado de cerveja. Apertei a mão, desconfiado e olhei para o Retalho, como quem diz: "e quem é esse, Retalho?"

Pois está, resolvido, doutor!, falou o Retalho. Esse é o Manobra, o motorista da ambulância!

Pois é! Nem administradora do hospital, nem Secretário de Saúde, nem Prefeito! Resolvi foi direto com o Manobra!

E foi lindo de se ver! No sábado, desceu aquele avião grande demais para pista! Veio direto e deu uma pancada no solo, que achei que fosse se espatifar todo! Meses e anos depois, ainda damos risadas de tudo, mas, na hora, foi tenso!

De qualquer forma, estava tranqüilo: estávamos de ambulância e comigo estava quem resolvia: o Manobra!


Luís Menna Barreto, em 26 de outubro de 2016


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