O Sumiço do Gerente e a Black Friday
- luís menna barreto

- 3 de abr.
- 6 min de leitura

O Gerente jogava muito. Dono de um estilo elegante, adonava-se do meio campo, com a cabeça erguida, toques rápidos e passadas largas. Era um Zidane Marajoara! Ganhava a vida assim, nos gramados do Marajó, ora jogando por uma cidade, ora por outra. Os prefeitos Marajoaras sempre o “contratavam" para levar o time da cidade até a final do campeonato, o que sempre dava muito status e rendia frutos políticos, especialmente em anos eleitorais. Gerente chegara a tentar a sorte na capital, no clube do Remo, mas não deu certo. Não lhe faltava futebol. Faltava-lhe disciplina! No Marajó, não havia treino. Era chegar no domingo, fardar, entrar em campo e fazer o que sabia fazer: conduzir os companheiros com toques precisos que imprimiam uma velocidade alucinante ao time.
Ele encostava pouco na bola, dificilmente dava mais de dois toques antes de encontrar o espaço impensável numa linha às vezes reta, às vezes curva para que a bola passasse entre várias pernas adversárias e chegasse no ponto exato onde o companheiro de time haveria de estar segundos após ele tocar na bola. Sua precisão organizava o time e ele gesticulava aos companheiros. Era como se gerenciasse a equipe, determinando o que cada um haveria de fazer, sem que ele precisasse realmente ficar com a bola. Daí que lhe rendera o apelido: Gerente!
Como já era comum acontecer, o time que o Gerente defendia estava na final! Seria domingo, dia 29 de novembro de 2015! Na quarta-feira, dia 25 de novembro, Gerente estava no açougue do Retalho, jogando sinuca com o Manobra, motorista da ambulância, e com o Mariposa, que se fingia interessado no jogo, mas todos sabiam que estava esperando a Pequena passar para jogar uma saliência. Como o açougue fica na rua da beira, dava pra ver o navio apontando longe no rio. Dali com meia hora haveria de encostar no trapiche municipal, perto de 23h, onde não demoraria mais do que 10 minutos. Já dava para ver alguma movimentação das pessoas que iriam para Belém, movimentação de carregadores que saltariam para o navio antes mesmo de estar atracado, bem como alguns “amigos do alheio” como a Estrupício, que geralmente entrava de pés descalços e saía com sandálias e alguma mochila nas costas, bens dos mais desatentos ou dos que dormiam profundamente nas centenas de redes atadas nos dois conveses.
Mas a surpresa deu-se quando o navio estava para encostar e o Gerente despediu-se do Manobra e falou para o Retalho pendurar a conta do goró. Gerente foi para o trapiche com ares de quem embarcaria, o que causou espanto! O retalho tirou a caneta da orelha e anotou a dívida num bloco pendurado em um barbante preso a um prego na parede atrás do balcão, sem dar muita atenção. O Manobra apoiava-se com dificuldade no taco de bilhar e não entendeu direito, e também nem percebeu os dois enfermeiros que passaram ofegantes, carregando um doente na maca e xingaram o Manobra por não estar no hospital para conduzir o doente na ambulância até o navio. Mas o Mariposa, que havia apostado dois mil reais no Glorioso, o time da cidade, arregalou os olhos! Foi até a frente do açougue e espichou o pescoço para o lado do trapiche! Era fácil ver o Gerente que se destacava pela altura acima da média marajoara.
— Ele tá embarcando! Ele tá embarcando, Retalho!
— Quem? Tá doido, Mariposa?
— O Gerente, ele tá embarcando…
O Mariposa foi saindo em direção ao trapiche com um copo na mão, enquanto o Retalho não entendia muita coisa, mas não deu importância… ele estava acostumado a ouvir conversas sem sentido depois de alguns copos dos fregueses. O que ele estranhou, foi que quando a Pequena passou pelo Mariposa e olhou daquele jeito malicioso de canto de olho, e o Mariposa nem deu atenção e seguiu como se nem a tivesse notado. Acostumada com os gracejos do Mariposa, e de olho em descontos na loja dele, ela ficou furiosa de ter sido ignorada! Na mesma hora apressou o passo e o Retalho ouviu apenas algo parecido com “ah… mas ele vai ver a pssica que vou jogar nele!”
Quando o Mariposa venceu os duzentos metros que separam o açougue do Retalho até o Trapiche, o navio estava, já, desatracando, e o Gerente, subindo para o convés superior, onde fica a lanchonete do navio. O Mariposa tentou gritar:
— Gerente! E o jogo? E o Jogo?
O Gerente, tendo ouvido o Mariposa, tentou gritar de volta, mas tudo o que o Mariposa conseguiu ouvir, por cima do barulho do motor do navio e das marolas do rio, foi algo como:
— … “frade”!
“Frade”? O Gerente iria rezar, pedir proteção, confessar os pecados? O que aquilo queria dizer?
Não entendeu direito. Pensava nos dois mil reais apostados e sabia que sem o Gerente no meio campo, o Glorioso nunca ganharia o título! E agora? O prefeito! Tinha de avisar o prefeito! Era caso de interesse municipal!
A manhã de quinta-feira foi agitada. Com a notícia que recebera do Mariposa na madrugada, o prefeito marcou uma reunião de emergência com a base aliada na Câmara dos Vereadores (seis dos nove vereadores), com os comerciantes próceres da cidade, e com o Aglutina, o técnico do Glorioso! Decidiram por fazer sair a lancha particular do prefeito, pilotada pelo Dentadura, o piloto de lancha mais rápido do Marajó, que faria o percurso até Belém em menos de 5 horas, para procurar o Gerente. Mas onde? Não importava! O importante era fazer alguma coisa, mostrar para a população que havia empenho para trazer o Gerente.
Eu soube disso tudo na sexta-feira. No meio da manhã, o Recado, um dos assessores do prefeito, entrou no Fórum apressado e pediu para falar comigo. O prefeito havia pedido para o Goela, o meirinho que conhece todo mundo, ir com o Dentadura e realizar a missão de achar e trazer o Gerente a tempo do jogo de domingo!
Claro que diante de uma situação de interesse municipal desta envergadura, concordei e chamei o Goela!
— Ele não está doutor! — Apressou-se a Tutela a vir na porta do gabinete dizer-me!
— Como assim?
— Ele saiu na lancha do prefeito hoje cedo!
— Hein?
Pois é, o Goela já havia ido, e o Recado deu-me a mensagem com quase um dia de atraso. Mas, enfim, era um caso de interesse municipal, e relevei o Goela haver saído sem avisar
O comentário na cidade não era outro. No bar do Seu Nonô, no açougue do Retalho, na loja do Mariposa, no trapiche, na praça… “O Gerente voltaria a tempo de dar o título ao Glorioso?"
Eu viajei na sexta-feira à noite, mesmo. Às 22h, embarquei no navio que, depois de mais ou menos 10 horas, atracaria em Belém, e até o momento do meu embarque, ninguém sabia se encontrariam o Gerente, se ele jogaria ou não a final.
…
O que foi? Sobre um final para isso? Eu fui embora, não vi nada!
…
Tudo bem, vou contar o que eu soube, depois: o Glorioso foi, de fato, campeão. Gol do Gerente cobrando uma falta marcada de forma bem duvidosa aos 38 minutos do segundo tempo. Cartão vermelho para o Rasga Diabo, zagueiro do time adversário, o que rendeu quase vinte minutos de confusão tendo que o Tonelada, policial militar, entrar com o contingente todo: dois policiais (contando com o Tonelada). O cartão vermelho parecia brilhar na mão do árbitro. Aliás, o cartão amarelo generosamente distribuído durante o jogo, também parecia brilhar, tanto quanto o apito de um prata reluzente!
…
O que o Gerente gritou do navio, para o Mariposa foi: “tô indo comprar na black Friday”!
Voltou de Belém com uma “chopeira” que, (dizem!) estava abastecida no vestiário da arbitragem, antes do jogo.
Ah!, eu estava esquecendo: dizem (disk) que havia também no vestiário dos árbitros, um apito profissional e dois cartões novinhos em folha, em cima de um envelope discreto, com algum volume, cujo conteúdo... eu não faço a menor idéia do que poderia ser!
Os cartões e o apito, teriam sido presentes do Gerente. O conteúdo do envelope, ao que se soube, fora fruto do gabinete de crise formado quando do sumiço do gerente!
Luís Menna Barreto, em 21 de dezembro de 2019
Role mais um pouco e deixe seu comentário;
Cadastre seu e-mail, e receba postagens com antecedência, e saiba antes das novidades!
Visite Livros e Mimos! Há e-books gratuitos por lá! É só clicar o botão abaixo!




Comentários