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A Noiva da Lagoa (e o Aflito)


A Noiva da Lagoa
A Noiva da Lagoa

Faz dois dias que minha bela, querida, saudosa, distante e lendária Santo Antônio da Patrulha aparece no 'bora cronicar'. Na quarta-feira, foi a crônica "O Sapo e a Enforcada". Ontem, colocando as coisas em seus devidos lugares, provei de forma insofismável, que tudo que existe em Paris, Santo Antônio da Patrulha tem; ... só que melhor! 

Daí, que nos comentários, chegaram a referir a Igreja de Santo Antônio. Bem, eu nem quis falar nela, para não abalar a fama da Catedral de Notre-Dame. Mas, cá entre nós, não há no que a Igreja Matriz possa perder em beleza arquitetônica para Notre-Dame. Só a escadaria da Matriz, recebendo a todos os que chegam, por quaisquer dos lados, já é um convite à constatação de sua simpatia! 

Afora a Igreja Matriz, Santo Antônio da Patrulha ainda tem a Lagoa dos Barros, que, se não é tão grande quanto a Lagoa dos Patos, é, evidentemente, muito mais charmosa. É lagoa que não se consegue enxergar a margem oposta e banha vários municípios, dentre eles, o mais relevante, Santo Antônio da Patrulha, claro! 

Eu lembro que quando éramos criança, a mãe às vezes aprontava-nos uma surpresa: nos tórridos dias do verão patrulhense, especialmente se algum parente de outra cidade estava visitando-nos, a mãe arrumava as coisas na Bela, e íamos para a lagoa. A “Bela" era uma Belina 76, que compramos em 1978 e esteve em atividade até 1998. Tudo cabia na Bela. E era um tempo muito mais romântico para automóveis. Quando viajávamos, a mãe colocava um acolchoado na “cachorreira" (o porta-malas da Belina, que ficava na parte interna traseira do carro), um travesseiro e eu pegava alguns gibis e ia de Santo Antônio da Patrulha até Canoas, distante 80 quilômetros para visitar os parentes, deitado ali atrás, lendo gibis. A mana ficava de dona do banco traseiro, enquanto a mãe dirigia e o pai ia ao lado, conversando. Era uma época sem “airbags”, sem cinto de segurança obrigatório, com postos de gasolina que fechavam aos domingos e, ainda assim, escapamos ilesos e vivemos! 

Pois a mãe aprontava a Bela e íamos em quantos fôssemos, porque não havia quem não coubesse na Bela, afinal, naquela época, década de 70 e 80, onde havia 5 lugares, cabiam ao menos 12! Uns para frente outros para trás, uns no colo, outros na cachorreira, e vamos embora todo mundo! De mais a mais, a lagoa ficava há apenas 15 quilômetros de nossa casa, indo pela “estrada velha”, uma rodovia estadual, francamente sinuosa, que corta Santo Antônio da Patrulha e vai contornando o começo da serra do mar, ligando a capital ao litoral. A lagoa fica a caminho do litoral. Daí que chegávamos por volta de 15 horas e brincávamos naquelas águas calmas em que entrávamos lagoa adentro sem jamais a água passar da nossa barriga, não importa o quanto entrássemos! 

Mas uma coisa era certa: jamais, mas JAMAIS MESMO, correr o risco de sair depois do sol se por! Antes pelo contrário: quando começava a esconder-se por trás dos morros da serra do mar, a gente já recolhia tudo e ia embora. Nunca houve notícia de alguém que insistisse para ficar mais um pouco! 

Por quê? Ah!, repare: lembra-se de como eu me refiro à Santo Antônio da Patrulha, atento leitor?: “minha bela, querida, saudosa, distante e lendária Santo Antônio da Patrulha". Pois este lendária não é retórico. Aliás, todos os adjetivos tem uma exata razão para que eu os use. Pois lendária, como você, inteligente leitor já intuiu, é por conta das várias lendas que existem em Santo Antônio. 

A própria Lagoa dos Barros tem várias lendas e, dentre elas, estas três que vou contar: uma delas, é a de que existe uma cidade submersa na lagoa e que em dias de ventos fortes, é possível ouvir os sinos da torre da Igreja submersa. O fato é que a lenda é tão forte, que não há notícia de navegação na lagoa, embora sua imensa extensão. Ninguém se atreve a atravessar a lagoa em lanchas, ou outra embarcação qualquer, porque não há notícia de quem tenha tentado e tenha ultrapassado a cidade submersa.  

Outra lenda, que se relaciona com a primeira é que no centro existe um redemoinho que tudo suga e que leva à cidade submersa. E é fato que sequer há atividade de pesca na Lagoa dos Barros porque nem mesmo pescadores tem coragem macular as lendas e verem-se eles próprios, fisgados pelo redemoinho e condenados a passar a eternidade na cidade submersa.

Finalmente, outra lenda, a mais famosa, tem a ver com o próprio padroeiro e com a lagoa. E não é apenas uma lenda, é baseado em fatos, em acontecimentos REAIS: Em 1938, Maria Luísa, recém casada, foi encontrada morta, enforcada no próprio véu, na Lagoa dos Barros. Conta-se que assim que casou, fora passear com o marido e este, possuído por espíritos malignos advindos da cidade submersa, enforcou a própria noiva. Depois de dois dias, submersa, seu corpo fora encontrado intacto, o que contraria qualquer explicação científica! 

O crime jamais foi elucidado, e os motivos e a forma de execução ficaram ao sabor das especulações. 

O fato é que o espírito da noiva morta, constantemente é visto no local, às margens  da BR 190, ou da RS 30, as duas rodovias que no local cumprimentam-se lado a lado pela extensão patrulhense da lagoa. Muitos caminhoneiros que se arriscaram à noite por ali, juram que viram a noiva. Alguns caminhões, inclusive, foram encontrados no local, abandonados, sem notícia dos motoristas, sem que nada se houvesse roubado! Se você, estimado leitor, tiver curiosidade, pesquise sobre a lenda na internet.

Mas o fato é que patrulhense que se preza, não vai na lagoa depois do por do sol.

Mas, enfim, queria contar isso e dizer para vocês que certa feita, numa noite de chuva forte em que faltou energia elétrica em no Marajó, e, diante das notícias de visagem no Fórum (que contei em duas crônicas e também faz parte do livro "As Crônicas do Marajó" (que é uma novela em forma de crônicas), começamos a contar histórias tais, de almas penadas, espíritos não resolvidos e alguns desmorridos de carne e osso, assim, esperando pela energia, no corredor do fórum - mas com a porta aberta e duas lanternas acesas! 

Entre as histórias Marajoaras e Gaudérias, contei a lenda da noiva, que, à noite, sai em busca de um noivo para completar suas núpcias.

Pois não é que eu jamais poderia imaginar que o Aflito ficaria impressionado?! Depois daquela noite, inclusive, nunca mais vi o Aflito. Tempos depois, quando encontrei um colega do Marajó, estávamos conversando e ele ria da história do caboclo desesperado para casar, mas que, de tão feio, não havia morena que convencesse ao enlace amoroso. Perguntei o que era feito dele e meu colega disse que a última notícia que teve desse caboclo, o Aflito, é que havia despedido de pai e mãe, e, decidido, rumara ao sul. Aflito teria dito apenas que tinha um encontro com sua noiva, o que surpreendeu a todos, porque jamais houve notícia que alguma noiva tivera.

… e só agora percebo que justamente desde quando Aflito sumira, não se houve mais notícia de que a noiva tivesse aparecido ao anoitecer da Lagoa dos Barros…!



Por Luís Menna Barreto, em 29 de março de 2019

OBSERVAÇÃO:

No começo da crônica, faço referência a outra crônica que teria sido publicada recentemente. Isso aconteceu quando a publiquei de forma inédita, durante um projeto chamado "bora cronicar", em que escrevi uma crônica por dia, durante 60 dias, e depois, em uma segunda etapa, uma crônica por dia, durante 30 dias. A crônica referida ali, fora publicada na mesma semana, em março de 2019, e se tratava da crônica chamada "Conhece Paris?", ainda não públicada neste novo blog!

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