top of page

Uma Carta Para Meu Velho Amigo Lico

Atualizado: 6 de mar.

Uma Carta Para Meu Velho Amigo Lico
Uma Carta Para Meu Velho Amigo Lico

— Já chegou? — Eu exalava ansiedade por todos os poros! Estava suado, apesar do mês de maio não ter sido nada quente na minha bela, querida, saudosa, distante, lendária e inesquecível Santo Antônio da Patrulha. Acontece que a agência dos Correios era (e é até hoje), bem quando termina a parte mais íngreme subindo a lomba que separa a Cidade Baixa (onde eu morava, no Bairro das Pitangueiras) da Cidade Alta. E eu subi a lomba correndo!

— Ainda não.

A senhora que atendia sorriu com paciência para aquela criança ansiosa de 9 anos. Eram por volta de 15 horas. No dia anterior, eu havia ido com a mãe entregar o cupom que recortei na revista do Tio Patinhas, preenchi os dados à mão, com caneta Bic, e a mãe levou-me à agência dos Correios. Não precisava selar o cupom e o pagamento seria na retirada do Supermanual do Escoteiro Mirim.

Era incrível chegar na agência dos correios. Eu achava linda! Um prédio com o pé direito alto, a gente entrava e mesmo no verão vinha aquela sensação geladinha. E era silencioso! Parecia biblioteca! Tudo tão calmo, lá. 

O prédio continua igual, lindo. A agência dos Correios ainda é lá; mas agora, só as encomendas. Às vezes eu ia colocar uma carta para o programa dos Trapalhões, em que, no final, o Didi ia pra cima de uma imensa pilha de cartas, jogava algumas pra cima e pegava três, e os sorteados ganhavam uma bicicleta Calói. Daí, o Didi cantava a musiquinha: “pedalando, pedalando, pedalando com a Calói! Pedalando, pedalando, a poupança nunca dói!” Então ele colocava os quatro dedos em frente a boca, o polegar escondido por trás, passava em um movimento horizontal e estalava os dedos!  E que atire a primeira carta, quem nasceu nos anos 70 ou 80 e nunca imitou o gesto do Didi.

Na década de 80, a gente conhecia o carteiro. O que passava na nossa rua (Salvador Jesus de Oliveira, ao lado do salão da igreja - a gente morava bem na esquina com a Rua Paraguai, atrás do salão) era um moreno forte! Eu achava o máximo. Por muito tempo quis ser carteiro, porque era sempre uma alegria quando ele pulava o muro baixinho que tinha na nossa casa, e ia até a janela entregar alguma correspondência. Se não havia ninguém, a correspondência era colocada embaixo da porta! As casas lá, todas tinham muro. Mas eram muros baixos e os portões nunca estavam trancados.

Quando o carteiro parava na nossa casa, era sempre uma alegria. Claro que mesmo naquele tempo, os Correios já entregavam contas. Mas não era como hoje. As contas eram da luz e da água. E só. Quando o carteiro vinha, era sempre algo bom: o pai recebia cartas, ou era alguma entrega da Avon que a mãe recebia, ou era carta de algum parente. A gente nem tinha telefone em casa! 

Ir na agência dos Correios era sempre uma ocasião especial! Ou a gente ia entregar alguma coisa muito legal, ou a gente ia buscar algo muito legal! 

Desde o dia que a gente foi colocar o cupom da compra do Supermanual do Escoteiro Mirim, na agência dos Correios, eu passei a ir todos os dias pra perguntar se já chegou! Meu Deus, o mundo havia parado! As horas na aula, na 5ª série na escola Estadual Espírito Santo, em 1980, não passavam. Eu lembro a alegria quando o carteiro chegou em casa com o papelzinho dizendo que o Supermanual havia chegado! Meu Deus, eu fiquei em polvorosa e depois de uns dois ou três xingões que eu levei da mãe por conta da ansiedade, lá fomos nós, na nossa Belina 78, já com 12 anos de uso, eu no banco da frente, num tempo em que não havia essa coisa extrema do politicamente correto: fui sentado no banco da frente, aqueles bancos baixinhos, sem encosto de cabeça, e sem cinto de segurança. Aos 9 anos de idade, a mãe já deixava eu passar a 3ª para a 4ª marcha. 

Eu abri a embalagem lá mesmo! Eu adorei tudo! O cheiro de novo, as páginas grossas, os desenhos… e não poderia haver melhor lugar, do que a agência dos Correios, na lomba da avenida!

Daí, o tempo foi passando, e a imagem que tive dos correios entre os anos 2010, até pouco tempo atrás, era a de um entregador de contas. Havia perdido o charme. Porque quase todos os dias, havia correspondência. Eu já não conhecia mais o carteiro, porque todas as casas tinham grades altas e portões trancados, e as cartas eram empurradas para dentro de um coletor junto às grades. E havia muitas agências dos Correios, sob modelo de franquias, espalhadas em todos os lugares. 

Chegava a conta da luz, da água, o IPTU, o IPVA, o telefone fixo, o celular, a internet, a televisão a cabo, o cartão de crédito, o extrato do banco, o outro cartão de crédito, o outro extrato do banco… nenhuma carta!

Mas, de uns tempos pra cá, acho que a magia tem retornado. Ao menos para mim!

A maioria das contas, já não são entregues pelos Correios. Vem diretamente por e-mail, ou mensagem de texto com anexo. É verdade que não recebo mais cartas. Mas todo o mês, eu espero ansioso o carteiro, quase com aquela alegria infantil. Ele me traz a revista National Geographic!* Eu assino a versão digital, também. Mas nada supera o cheirinho das páginas e a maravilha de ver as fotos, às vezes em páginas duplas! 

Os Correios recuperaram, pra mim, um pouco da magia. 

E se tu quiseres um pouco desta magia, o Pilha e o Kadu chegarão pelos correios pra ti, também, se tu o pedires em qualquer das livrarias abaixo! E experimentarás a deliciosa sensação de ficares com ansiedade esperando por algo, como se fosse uma visita querida!

Quanto a mim, não desisti de receber cartas: há poucos dias, nas férias, antes de viajar para o Rio Grande do Sul, postei uma carta no correio de Belém do Pará. O destino: Rua Plínio Flores de Jesus, em Santo Antônio a Patrulha, Rio Grande do Sul. O destinatário? Lico. Meu velho amigo de infância. Quis encontrar-me comigo, virar criança de novo na casa da mãe, e receber a carta de mim mesmo!

Luís Augusto Menna Barreto, em 2 de agosto de 2019.


*Agora, já nem trazem mais. A empresa "descontinuou" (jeito triste de falar simplesmente "parou") a edição física no Brasil.



  • Role mais um pouco e deixe seu comentário;

  • Cadastre seu e-mail, receba postagens com antecedência e saiba antes das novidades! Para cadastrar, vá no menu (aquelas três barrinhas horizontais), escolha "Home" e role a página até encontrar a opção de cadastrar seu e-mail em "Quer receber conteúdos exclusivos?"

  • Visite Livros e Mimos! Há e-books gratuitos por lá! É só clicar no botão abaixo!







3 comentários


Ah amigo Luís! Como eu, tu és saudosista. Às vezes acho maravilhoso, mas me trás uma certa melancolia, e me vem lágrimas que umidecem os olhos. Esse tempo de envios de cartas passou, mas era muito gostoso. E quando se colocava um cheirinho no papel... que delícia! Será que algum dia inda receberei uma cartinha?

Curtir
Respondendo a

Ah, que alegria! Recebo com está sensação mesmo., porque cartas,, como tu mesmo dissestes, tem seu charme... E que charme!!!

Curtir
bottom of page