O Escritor
- luís menna barreto

- 23 de mar.
- 3 min de leitura

Ele escrevia. Às vezes, depois do trabalho, às vezes à noite, quando a esposa e os filhos dormiam… Foram inúmeras vezes que, embora cansado, vinha-lhe uma idéia na cabeça, e então, ele esperava que dormissem, fazia um café quase em silêncio e punha-se a escrever.
Eventualmente, publicava algumas linhas em redes sociais. Havia, sempre, quem fizesse algum comentário. Com o tempo, foi criando uma pequena rede de amigos. Amigos virtuais, que passaram a ler seus escritos e passaram a acostumar-se com o ritmo do que ele escrevia, que riam, emocionavam-se, quase mesmo participavam de suas criações.
Diziam-lhe uns, que ele tinha talento. Ele mesmo achava que tinha. Escolhia, sempre, com cuidado as palavras. Algumas vezes, ficava como que ruminando em sua mente uma ou outra frase, porque não a entendia pronta. Ou porque achava que a frase estava boa demais para que fosse postada sozinha, sem haver todo um texto que justificasse a existência daquela frase.
Algumas vezes, os textos ficavam com ele tanto tempo, sem irem para o papel, que chegava a criar uma espécie de intimidade com o texto e, ao escreve-lo, parecia a despedida de um amigo que faria falta.
Ele não vivia dos seus textos. Trabalhava. Mas o inevitável sonho era viver de sua literatura. Às vezes, irritava-se, sem qualquer modéstia, ao ver uma frase pobre ganhar notoriedade da noite para o dia em redes sociais, escrita por uma pessoa que sequer se preocupava tanto com as palavras, como ele. De alguma forma, ele se abatia ao ver tantos livros escritos por pessoas que ele tinha certeza que não tinham um mínimo de talento, um mínimo de respeito pela literatura. Pessoas que, de alguma forma, estiveram no lugar certo, na hora certa, fizeram-se descobrir, algumas vezes até mesmo pela vulgaridade com que se exibiam, e tinham livros de parcas idéias, de histórias comuns, de pobre literatura, tão vendidos…
Tantas foram as vezes em que ele quase desistiu. Em alguns momentos chegou a ficar sem escrever por semanas… mas era sempre vencido, como se as palavras escritas fossem-lhe um vício.
Sonhava. Sonhava que um dia, a literatura de qualidade que ele sabia fazer, seria descoberta, que então seriam os seus livros nas prateleiras; que um dia, seria reconhecido pelo cuidado de uma vida, com as palavras.
… sua vida, porém, foi passando entre escritos quase anônimos, e elogios de alguns amigos fieis às suas publicações em redes sociais.
Já em tempo de espera e preparando-se para a morte que encarava como uma fato natural, catalogou tudo o que escreveu e deixou arquivado, com uma carta para a esposa e filhos. Tinha a convicção de que a posteridade seria sua redenção! Que os filhos e a esposa viveriam, ainda, as benesses faustosas de seu legado literário.
Morreu. Havia quase um sorriso ao pensar em sua família encontrando a carta com as orientações que deixara. Depois de velado, a esposa foi ao seu pequeno escritório em casa, cheio de livros, papéis, revistas… e encontrou a carta, junto com duas grandes caixas de material que ele catalogara. Ela pegou a carta com carinho. Leu detidamente… olhou as caixas…
… suspirou.
“Era um sonhador”, ela pensou com carinho sincero.
Alguns anos depois, quando ela se mudou para um apartamento menor, porque os filhos haviam, já, alçado seus vôos próprios, as caixas estavam, ainda, lá, e eram grandes demais para o pequeno apartamento novo.
“Se a senhora quiser, podemos levar para a cooperativa de reciclagem dos catadores”, ofereceu o motorista da empresa de mudança.
Ela assentiu com um gesto de cabeça, separando apenas a carta.
“Era um sonhador”, pensou.
Luís Menna Barreto, em 22 de novembro de 2019
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